Bonito é um destino de ecoturismo, mas também de LGBT+

10 de Dezembro de 2018 2:56pm
editor
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Bonito é um dos principais destinos turísticos do Brasil e um dos que mais chama atenção por conta das suas belezas naturais. Apesar disso, ainda é mais explorado por estrangeiros do que por brasileiros.

A questão do custo e da logística contam um pouco, afinal não é tão barato nem tão fácil assim chegar lá. De São Paulo, por exemplo, o trajeto mais comum é um voo até Campo Grande e, de lá, pegar um transfer de quatro horas até Bonito. Os gringos estão mais habituados a passar perrengue em viagem e costumam considerar o prêmio mais importante do que o caminho até ele. Pra gente aqui, essa não é ainda a cultura mais difundida.

Mesmo com esses entraves nacionais, Bonito continua sendo destaque pela propaganda boca-a-boca. Converse com alguém que já foi pra lá e você só deverá ouvir coisas boas. “É lindo demais”, “vale muito a pena” e “é muito f0*@”, estão entre as mais usadas.

Não é pra menos, os atrativos da cidade e região são de deixar o queixo caído. Desde o mais “simples”, como algumas horas de conhecimento e toque em serpentes no Projeto Jiboia, até os mais surreais como um rapel de 72m em um abismo dentro de uma caverna cheia de água transparente com cones de mais de 18m, onde se pode fazer flutuação ou mergulho, como o Abismo Anhumas.

Entre os dois extremos, muito contato com a natureza, seja nas inúmeras flutuações como o da Barra do Sucuri, mergulhos com cilindros como o da Nascente Azul, passeios de contemplação como a impressionante Gruta do Lago Azul, trekkings e cachoeiras como o Boca da Onça… Tudo te reconecta de uma maneira surpreendente com a natureza.

Dessa maneira, Bonito vai se solidificando como um dos principais destinos de ecoturismo no país. Mas o destino está preparado para o turismo LGBT+? Bonito está no Mato Grosso do Sul, um dos estados brasileiros que ainda tem boa parte da população com uma mentalidade mais conservadora. E não estamos falando de Campo Grande, mas sim de Bonito, que tem um pouco cara de interior.

Turismo LGBT+ em Bonito?

Levando em conta todas essas informações, Bonito realmente se depara com um desafio. Como driblar os preconceitos de uma cidade “interiorana” e receber bem o viajante LGBT+?

Vale lembrar que turismo LGBT+ não é um segmento, como é tratado normalmente no mercado. São vários. Existem sim gays que adoram festas e baladas, mas existem outros gays que preferem uma viagem romântica com o parceiro. Agora um choque: turismo LGBT+ não tem só gay! PAH! Pois é, todas as letras da sopa de letrinhas viajam bastante. Transexuais, bissexuais e lésbicas são tão viajantes quanto os gays, mas não encontram quase nada de produtos desenvolvidos no mercado.

As lésbicas, aliás, são um público essencial pra Bonito pois, em senso comum, elas costumam ter mais afinidade com ecoturismo e aventura do que os gays. Pensando nisso, eu sou gay, mas meu lado viajante é bem lésbico. Só que, além da homofobia, as lésbicas ainda sofrem em locais de pensamento mais fechado com o machismo, por serem mulheres. E aí? Como lidar com isso?

Por conta desse cenário, muitas empresas oferecem migalhas e põe uma bandeirinha do arco-íris no mês de junho e acha que é super friendly, mesmo que peque em várias outras coisas como comentários machistas ou homofóbicos de funcionários, por exemplo. É o que ficou conhecido como pink washing, ou seja, apropriação do pink money (dinheiro gasto pelo público LGBT+) mas sem comprometimento de fato com a causa. Fazendo só pra dizer que faz, sabe?

Bonito LGBT: abertura à diversidade

Por conta disso tudo, fiquei bastante reticente quando recebi pela primeira vez o convite de uma agência de viagens de Bonito para ir conhecer o destino. Eles tinham um projeto chamado Gay Bonito, que depois virou Bonito.LGBT. Mas aí fiz minhas pesquisas, conversei muito com eles e procurei entender mais e mais como era o trabalho deles e o tratamento.

Vi que eles se engajaram além das empresas. A agência é também um hostel e um pub. Eles me disseram que o pub era o point da cidade. Tomei essa informação com um pé atrás, até chegar lá e ver uma bandeira LGBT+ gigante estendida no teto do estabelecimento, mesmo durante o dia, de forma discreta, mas impactante e de ver o fervo tomando conta da pista numa noite de sábado, com muita bunda rebolando e beijo acontecendo. Me convenci na marra.

Fiquei encantado com esse projeto e resolvi contar pra vocês sobre ele, porque não é propaganda ou divulgação de uma empresa. É, na verdade, um projeto que teve seu embrião muitos anos atrás com um ativista da região, que promovia, com custo um evento gay na cidade (na época, ainda se entendia LGBT+ como só gay, hoje ainda é muito forte, mas estamos trabalhando a desconstrução, né meninas, tutupom?). Com o tempo, o projeto acabou ficando um pouco mais morninho.

Há pouco tempo, essa agência acabou tendo uma ideia similar, sem saber da antiga. Quando começaram as pesquisas, se depararam com o que já tinha sido feito e “abandonado”, fizeram contato e começaram um trabalho conjunto.

E o trabalho têm sido, com o perdão do trocadilho, bonito de se ver. É legal ver projetos onde não rola só interesse próprio ou somente o financeiro. Claro, todo mundo precisa fazer a roda econômica girar, mas eles têm feito seu trabalho no sentido de conscientizar o trade turístico do porquê é importante receber bem esses turistas e abrindo diálogo e conversas sobre o assunto.

E eles pensam o trade turístico como ele deve realmente ser pensado: do hotel e atrações até o restaurante e a lojinha de souvenir. Eles iniciaram o projeto, mas têm uma visão mais global, pra que seja um projeto da cidade e não só deles. Já pensam inclusive em fazer um selinho do Bonito.LGBT pra que os estabelecimentos colem em local de visibilidade para dizer “aqui recebemos todo mundo bem e sem distinção”.

Mesmo sabendo de tudo isso, quando a gente visita, acaba indo com receio, né? A gente já apanhou bastante do preconceito na vida e já cansou de ver gente dizendo que não tem preconceito até soltar aquele comentário que machuca. Mas me surpreendi. Claro, é um projeto começando, ainda tem caminho pela frente, mas vou te dizer que não senti olhares tortos ou comentários estranhos nos lugares que eu passei por lá.

Em um dos restaurantes, na hora de pagar a conta, a dona e caixa estava comentando sobre os trabalhos feitos na igreja que ela estava ajudando e tal. Meu alarme (preconceituoso ou calejado?) apitou. Mas quando o assunto LGBT+ surgiu, ele foi tratado com a mesma naturalidade da reforma da igreja e de todas as questões corriqueiras da vida.

Isso me deixou tão orgulhoso e feliz. E é um momento que, definitivamente, o projeto não planejou, mas almejou. Objetivo alcançado com sucesso!

Este artigo foi retirado de www.hypeness.com.br

 

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