Cuba: as pessoas querem se afastar do mar

09 de Dezembro de 2008 7:50am
godking

Nasceu, cresceu e viveu à beira do mar em La Playa, como todos chamam essa parte da cidade de Santa Cruz do Sul. Embora tenha tido a sorte de voltar para uma casa que resistiu à passagem do furacão Paloma e preservar todos seus bens, Iramis Rodríguez está decidida a se mudar para terra adentro. "Se me levarem, eu vou", diz à IPS esta mulher de 30 anos que trabalha como auxiliar de limpeza em uma entidade estatal "aqui mesmo em Santa Cruz".

O mar, que subiu mais de um metro devido ao furacão, deixou marcas na parede da casa, o teto foi danificado, os colchões e equipamentos eletrodomésticos ficaram molhados, mas nada que o sol não possa resolver. "Agora, é preciso ajudar os que estão pior, enquanto esperamos pela solução definitiva", disse Ramón del Campo, marido de Iramis.

Desde a porta pode-se ver o monumento às vítimas do ciclone de 9 de novembro de 1932, a pior tragédia natural da história de Cuba. Mais perto do litoral, se levanta a cruz que marca a altura que a maré atingiu: cerca de seis metros, segundo testemunhos dos já poucos sobreviventes. Cerca de três mil pessoas morreram nesse dia pela força dos ventos, "apunhaladas" pelos mais diferentes objetos voadores, presas dentro de suas casas, arrastadas pelo mar em sua retirada ou queimadas entre os escombros por ordem das autoridades que queriam evitar uma epidemia a qualquer preço.

As famílias que regressaram em 11 de novembro de 2008 a Santa Cruz do Sul, 616 quilômetros a leste de Havana, encontraram uma paisagem semelhante, mas, diferente da de 76 anos atrás. Os cães vagavam com o olhar perdido em um povoado que se tornou desconhecido e algum animal permanecia preso sobre os escombros, mas a comunidade estava a salvo. A primeira faixa de casas que havia perto da costa desapareceu quase em sua totalidade. Em alguns lugares não ficaram nem as ruínas e somente parte das estruturas servem para demonstrar que "aqui foi minha casa". A moradia mais sólida, escolhida pelos vizinhos para guardar os refrigeradores, também foi arrasada.

"Isto é um ciclone de 32 sem mortos", disse à IPS Alicia Reitor, de 58 anos, que integrou os primeiros grupos da Igreja Católica que chegaram à zona de La Playa para levar "um pouco de ajuda material e sobretudo espiritual às pessoas que tudo perderam". Mais de 20 mil pessoas foram evacuadas em Santa Cruz do Sul, de 49.900 habitantes, quando foi dado o alerta da aproximação do furacão Paloma, o terceiro de grande intensidade que atingiu Cuba este ano. Enquanto em 1932 um povo inteiro ficou esperando o trem da evacuação que nunca chegou, desta vez nem uma única pessoa permaneceu no lugar.

Em sua entrada na terra, o furacão danificou 9.022 casas, das quais 1.155 desabaram totalmente, 1.422 caíram parcialmente e 1.227 ficaram sem teto. Aproximadamente metade das 480 casas de La Playa foram totalmente destruídas e todas as que ficaram em pé apresentaram algum tipo de dano.

Assumir o golpe

Fernando Zamora, de 51 anos, ficara com sua família de passar em casa para garantir seus bens mais importantes. Levaria para algum lugar seguro o refrigerador, o televisor e talvez o jogo de sala que comprou com muito sacrifício, há relativamente pouco tempo. Trabalhador de uma empresa dedicada à produção de camarão, Zamora passou as horas que antecederam a chegada do Paloma ajudando na evacuação, como membro do Conselho de Defesa Municipal. "Ao final, não pude ir recolher nada, mas estava certo de que a casa resistiria", disse à IPS.

Três dias depois, a família tentava resgatar utensílios de cozinha, roupas e até alguma foto das ruínas. Zamora, como Ramón del Campo e tantos outros homens sentiam a responsabilidade de salvar o que não podia ser salvo e improvisar paredes e teto para viver o tempo que fosse necessário. As mulheres resgatavam roupas da lama e da praia; montavam cozinhas coletivas para compartilhar a alimentação entregue pelo governo gratuitamente com algo "mais caseiro"; ocupavam-se dos animais domésticos e tentavam manter as crianças o mais longe possível da sensação de desastre.

"Homens e mulheres enfrentam este momento de maneira diferente. Elas se aproximam para conversar com os médicos, expressam o que sentem. Os homens permanecem na retaguarda, como querendo demonstrar que não estão emocionalmente afetados. Essa reação pode ser pior", disse à IPS a psiquiatra Daysi Roque. Ela integrou um grupo de 20 especialistas, como psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais e enfermeiras, entre outros, que viajaram a Santa Cruz do Sul quatro dias após a passagem do Paloma para fazer um diagnóstico urgente da população que permitisse detectar casos de pessoas afetadas pelo estresse e pela angústia.

"Há diferentes maneiras de ajudar a lidar como sofrimento: orientar, conversar, ouvir e, sobretudo, fazê-los saber que estaremos o tempo todo do lado deles", disse à IPS Yoandro Ávalo, um dos membros da Cruz Vermelha Cubana que viajou ao local para ajudar na evacuação previa e na recuperação após o desastre. Chega a cerca de US$ 10 bilhões os danos causados pelos furacões Gustav, Ike e Paloma que atingiram Cuba nos dias 30 de agosto, 8 e 9 de setembro e 9 de novembro deste ano. As estatísticas não falam das fotos de família, dos brinquedos das crianças ou dos livros acumulados por uma professora de Santa Cruz durante toda sua vida.

Adeus ao mar

"Se te derem a opção de deixar este lugar, você deixaria?", perguntou a IPS a mais de 15 moradores de La Playa. A resposta, marcada pela dor, mas também pela segurança, sempre foi sim. Esta parece ser a única saída possível para comunidades como Santa Cruz do Sul, Cajío, Guanimar, entre tantas outras, que ano após ano vivem a ameaça do mar. Um informe oficial de 2002 calculou em 244 os assentamentos cubanos vulneráveis a inundações costeiras, onde nesse momento viviam 1,4 milhão de pessoas.

"Localizam-se um metro abaixo do nível médio do mar e a uma distancia inferior a um quilômetro da linha da costa", afirma o documento apresentado por Cuba durante uma consulta regional sobre Gestão Local e Redução de Risco nos Assentamentos Humanos da Bacia do Caribe. Com o aumento da intensidade dos ciclones e das perspectivas de elevação do nível domar, o governo cubano reconheceu que a única alternativa para estas comunidades está na mudança para terra adentro. A decisão já começa a ser aplicada em Santa Cruz do Sul com a construção de casas temporárias para as vítimas.

O local, onde são criadas as condições para a construção de vários edifícios de apartamento, fica a mais de três quilômetros de La Playa. "Crescemos ouvindo as histórias do ciclone de 1932, mas nunca pensamos que algo assim poderia acontecer novamente. Aqui nunca se viveu com medo do mar, mas agora é diferente. É preciso partir porque o que acontece pode ocorrer de novo", disse à IPS Ibrahim Rojas, bicampeão olímpico de canoagem. Rojas já não vive em Santa Cruz do Sul, mas voltou à sua casa natal junto com sua mãe para ajudar a reconstruir o lar. "Este era o lugar onde iria passar sua velhice e agora está louca para se mudar. Quando vimos o que aconteceu, foi a maior dor do mundo", disse Rojas ao mencionar a situação de sua mãe.

Envolverde/IPS

Back to top